domingo, 25 de novembro de 2012

Não peco, não sofro, não amo...

Me fechei num círculo,
agasalhei meus sonhos e os fiz dormir,
já não me toca a beleza das nuvens,
nem o azul do céu,
assim não peco ...
Sinto meu corpo desnudo,
como se não tivesse mais alma,
como se ela há muito tivesse me deixado,
assim não sofro ...
Caminho só, sem companhia,
já não sinto alegria,
já não sei cantar,
assim não amo ...
Meu olhar caminha em meus pés,
meus pensamentos estão sedados,
não peco, não sofro, não amo,
assim não choro ...
(Cecília Carvalho,Cel)
Minha amiga querida. Saudades de você

sexta-feira, 16 de novembro de 2012

BATOM E FORÇA(II)

De batom, força e sensibilidade,
veste-se de todas as roupas,
para ser cada uma, por vezes, outra, segue.
Sabe dizer os sins, mesmo depois da mágoa,
sabe ser o fim de todo o egoísmo,
sabe  e como sabe ser assim!
Metamorfoses diárias,
de tantos nãos da vida,
de tanta aceitação e beleza.
Supera, estende a mão,
enfrenta-se nas desigualdades,vence!
Senta-se na lua e sonha,
vive príncipes, torna-se  povo e rainha...
Santa adorada, mulher profana, sem linha...
Trilha todos os caminhos,
enfeita-os com seu otimismo,
chora também,
para no momento seguinte ,
ter cara de  flores,
 força de onda brava,
digladiando,
enfeitando o céu com seu sol de vida:
 Ser Mulher!
(Jane Lagares)

sexta-feira, 9 de novembro de 2012

Sonho dos Ratos

     
Era uma vez um bando de ratos que vivia no buraco do assoalho de uma casa  velha. Havia ratos de todos os tipos: grandes e pequenos, pretos e brancos,  velhos  e jovens, fortes e fracos, da roça e da cidade.
Mas ninguém ligava para as diferenças, porque todos estavam irmanados em torno de um sonho comum: um queijo enorme, amarelo, cheiroso, bem pertinho dos seus narizes. Comer o queijo seria a suprema felicidade...
Bem pertinho é modo de dizer. Na verdade, o queijo estava imensamente longe,  porque entre ele e os ratos estava um gato... O gato era malvado, tinha dentes afiados e não dormia nunca. Por vezes fingia dormir.
Mas bastava que um ratinho mais corajoso se aventurasse para fora do buraco para que o gato desse um pulo e, era uma vez um ratinho...
Os ratos odiavam o gato. Quanto mais o odiavam mais irmãos se sentiam. O ódio a um inimigo comum os tornava cúmplices de um mesmo desejo: queriam que o gato morresse ou sonhavam com um cachorro...
Como nada pudessem fazer, reuniram-se para conversar. Faziam discursos, denunciavam o comportamento do gato (não se sabe bem para quem), e  chegaram mesmo a escrever livros com a crítica filosófica dos gatos. Diziam que um dia chegaria em que os gatos seriam abolidos e todos seriam iguais.
"Quando se estabelecer a ditadura dos ratos", diziam os camundongos, "então todos serão felizes"..
 - O queijo é grande o bastante para todos, dizia um.
 - Socializaremos o queijo, dizia outro.
Todos batiam palmas e cantavam as mesmas canções. Era comovente ver tanta fraternidade. Como seria bonito quando o gato morresse!  Sonhavam... Nos seus sonhos comiam o queijo.
E quanto mais o comiam, mais ele crescia. Porque esta é uma das propriedades dos queijos sonhados:
não diminuem: crescem sempre. E marchavam juntos, rabos entrelaçados, gritando:
" o queijo, já!"...
Sem que ninguém pudesse explicar como, o fato é que, ao acordarem, numa bela manhã, o gato tinha sumido.
O queijo continuava lá, mais belo do que nunca. Bastaria dar uns poucos passos para fora do buraco. Olharam cuidadosamente ao redor. Aquilo poderia ser um truque do gato. Mas não era. O gato havia desaparecido mesmo. Chegara o dia glorioso, e dos ratos surgiu um brado retumbante de alegria. 
Todos se lançaram ao queijo, irmanados numa fome comum.
E foi então que a transformação aconteceu. Bastou a primeira mordida.
Compreenderam, repentinamente, que os queijos de verdade são diferentes dos queijos sonhados. Quando comidos, em vez de crescer, diminuem.
Assim, quanto maior o número dos ratos a comer o queijo, menor o naco para cada um.
Os ratos começaram a olhar uns para os outros como se fossem  inimigos. Olharam, cada um para a boca dos outros, para ver quanto do queijo haviam comido. E os olhares se enfureceram. Arreganharam os dentes. Esqueceram- se do gato. Eram seus próprios inimigos. A briga começou. Os mais fortes expulsaram os mais fracos a dentadas. E, ato contínuo, começaram a brigar entre si. Alguns ameaçaram a chamar o gato, alegando que só assim se restabeleceria a ordem. O projeto de socialização do queijo foi aprovado nos seguintes termos:
"Qualquer pedaço de queijo poderá ser tomado dos seus proprietários  para ser dado aos ratos magros, desde que este pedaço tenha sido abandonado pelo dono".
Mas como rato algum jamais abandonou um queijo, os ratos magros foram condenados a ficar esperando..
Os ratinhos magros, de dentro do buraco escuro, não podiam compreender  o que havia acontecido.
O mais inexplicável era a transformação que se  operara no focinho dos ratos fortes, agora donos do queijo. Tinham todo o jeito do gato, o olhar malvado, os dentes à mostra. Os ratos magros nem mais conseguiam perceber a diferença entre o gato  de antes e os ratos de agora.
E compreenderam, então, que não havia diferença alguma. Pois todo rato que fica dono do queijo vira gato.
 "Consegues compreender o que está ocorrendo hoje no Brasil?"
 (Rubem Alves)